03 janeiro 2013

Quimera


Existes nos meus sonhos. 
Ouço o teu riso naquele limbo incorpóreo entre a realidade e a fantasia. 
Sentas-te comigo na relva e acendemos uma fogueira. 
As labaredas protegem-nos do bafo gélido da noite e dançam no teu rosto.
Mergulho nessa luz celestial, eternamente romântica, como um banho à luz de velas.
O céu abre-se. A lua está ainda na fase cheia. A minha estrelinha pisca-me o olho. 
O novo ano começa. É um bom prenúncio. 
Surges-me com traços divinos, com a loucura dos que nada temem, com a intensidade vulcânica dos momentos fugazes. 
Em mim, a permanência. Aquela certeza que carregam os que amam sem esperarem nada em troca. Uma vez Tua, para sempre Tua. 
Mesmo que num incorpóreo à semelhança do limbo que nos separa. 
Mesmo que já não existas concretamente, ou que nunca tenhas existido. 
A matéria é a mera expressão física do que não cabe na união de dois corpos.
Somo-nos assim mesmo, nesta ausência indeclinável. 
Rebenta o fogo de artifício. O esplendor perpetua-se. 
Chuvisca. Soltam-se fadas das brasas incandescentes, que abençoam e encantam.
Seguem-se doze passas nada tradicionais. Sorrio a cada uma. 
Desejos, tenho menos, mas neles cabes tu, de uma forma que por superstição não irei revelar, dentro e fora dos sonhos que nenhuma vida, nenhuma morte poderá levar de mim.



30 dezembro 2012

Eternidade revisitada

Fazias-me perguntas.
Os teus dedos escorregavam-lhe pelo couro cabeludo e o som da tua voz era o leve crepitar do toque que tão bem reconheço. 
Respondia-te.
O arrepio percorria-me a espinha e na expressão do seu olhar encontrava-se o meu deleite.
Sei-te bem. Sabes-me melhor. Sou transparente. E o que não sei, dizem-me os teus olhos quando encontram os meus. 
Por isso é do meu ventre que arrancas as sensações quando ela se entrega. São os meus lábios que prendem o teu beijo. É no meu sono que repousa o teu orgasmo. Mesmo que as nossas peles não se voltem a tocar, mesmo que os cheiros te confundam.
Encontramo-nos para lá do tempo, antes e depois de tudo o que é mortal. Porque o Homem jamais pode separar o que a Natureza uniu. 
Como este mar que se deita comigo na areia, como o luar que irá suceder o crepúsculo, como a abelha que oscula uma pequena flor.
Tudo acontece de repente, como numa tempestade. Mas acaso é apenas um nome que se dá ao momento certo. Por vezes procuramos incessantemente as respostas erradas... e desviantes.

Não vivemos o Amor. O ser-humano é pequeno demais. Ele é que nos vive. Nada somos nos intervalos senão matéria-prima de um produto inacabado.

Ouves a minha respiração palpitante nos sonhos inevitáveis? Chamo-te de volta à tua essência, a mim, mesmo que momentaneamente. Vens? 
Guardo-a para que não te esqueças de quem és. 
Está aqui, encostada ao meu peito, presa a um suspiro teu, a uma gota de suor que se perdeu: uma lágrima pousada sobre o sinal de nascença, à espera de ser bebida pela ponta dos teus dedos, os mesmos que desenham agora os contornos sinuosos de outro corpo em êxtase.

photo: You Hold Me Without Touch by MultiCurious




06 maio 2012

Ambiguidade


Ficaste fragilizada após a gravidez.
Mutilei o teu corpo.
Magoei-te.
Hoje tens dores nas costas,
 perdeste as forças,
 sentes-te velhinha.

M Ã E

 Eu bebi do teu leite.
 Alimentei-me de ti.
 Por mais dores que te possa ter trazido,
 mas também por elas,
 os nossos, mesmo que invisíveis às vezes,
são laços que não se quebram.


Com Amor.
(duplo)




 photo: "Fountain of Life" by LoneDonTimes 

11 março 2012

8, 9...



Dóis-me tanto! Tanto e tão fundo, tão fundo que nem consigo chorar-te! Um fundo de núcleo terrestre. Ardo. Sinto-me a queimar por dentro como um pedaço de papel amarrotado. Ardem palavras inscritas que se tornaram ilegíveis às sensações e ao tempo. Fica este silêncio, este silêncio e esta escuridão. Procuro esconder-me de mim no mundo, mas acompanho-me sempre. E por detrás de cada sorriso, por detrás de cada palavra simpática, de um bom humor contagiante que roça a loucura, está o rosto sem máscara, que pinga ainda sangue e lágrimas, está o reflexo do olhar de uma Medusa espalhado por um corpo esquecido. Implodo constantemente, sou onda que bate de encontro à encosta e é devolvida ao mar com a mesma violência. Preciso respirar e não consigo; trago uma corda atada ao pescoço que me esmaga a traqueia. Não sei viver na minha pele, não me reconheço. Aterrei num planeta estranho, ao qual sinto que não pertenço, caminho desfasada. Caminho sem verdadeiramente caminhar, pois é só aqui que me encontro comigo, a sós, nesta angústia corrosiva e esgotante que não consigo arrancar de mim nem à força. Nada me faz sentido. Nada. Do que foi. Do que não foi. Do que ficou por ser e jamais poderia ter sido. O conflito interior em cessar fogo, pelo vazio que me habita. Será que morri? Será isto o limbo, a transição através de coisa nenhuma? Será isto a ressaca da maior dependência que já sofri? Ou será isto o abandono em negação do Maior Amor que já conheci, mutilado e torturado desde o dia em que nasceu? Amor que não jaz, morto-vivo preso a mim, arrastando-me pelas horas, pelos dias que conto mas parecem não passar...



19 novembro 2011

Nicest Thing



"All I know is that you're so nice
You're the nicest thing I've seen
I wish that we could give it a go
See if we could be something

I wish I was your favourite girl
I wish you thought I was the reason you are in the world
I wish my smile was your favourite kind of smile
I wish the way that I dressed was your favourite kind of style

I wish you couldn't figure me out
But you'd always wanna know what I was about
I wish you'd hold my hand
When I was upset
I wish you'd never forget
The look on my face when we first met

I wish you had a favourite beauty spot
That you loved secretly
'Cause it was on a hidden bit
That nobody else could see
Basically, I wish that you loved me
I wish that you needed me
I wish that you knew when I said two sugars,
Actually I meant three

I wish that without me your heart would break
I wish that without me you'd be spending the rest of your nights awake
I wish that without me you couldn't eat
I wish I was the last thing on your mind before you went to sleep

Look, all I know is that you're the nicest thing I've ever seen
And I wish that we could see if we could be something
Yeah I wish that we could see if we could be something"

22 agosto 2010

22




Todos os dias para mim são agora este Número Mestre. Todas as noites são a ampliação do mesmo. Sou atingida pelas suas vibrações poderosas, que me roubam o sono ao invadirem-me o íntimo de sensações que me transcendem e enlouquecem. Segundo as interpretações celestiais, é a sequência mais elevada de todas: construtiva na iluminação, destrutiva na frustração. Nas paredes sarapintadas do quarto onde não pernoitas, o par esboça uma assombração iminente. Há quem chame insónia à ausência de ti, mas é esta intuição sem nome que me atormenta... e esta culpa metabólica de não conseguir indicar-te o caminho definitivo de volta para casa. Abasteço-me abundantemente de géneros que não consumo, de livros que não leio, de músicas que não ouço, para ocultar a miséria globalizada da minha vida. Flutuo entre muros e tectos, sem chão e sem abrigo, sem descanso, pelo claustro voluntário em que mergulhei, à espera da aurora que não chega. Agarro-me à dormência das extremidades latejantes do meu cérebro, à procura de um qualquer desmaio, mas não adianta. Não durmo. Estou aqui, na companhia de um maço que se acaba. Nada sei a não ser do que preciso neste vazio que engulo aos solavancos: a anestesia volátil do álcool que não ingiro, o relaxe inteligível da droga que não fumo, a letargia instantânea dos soporíferos que não tomo. Sento-me e debruço-me sobre as palavras salgadas que flúem em dilúvio. Não me lamento das contracções que me percorrem os músculos, nem dos soluços em que me engasgo. Não há queixume no isolamento do mundo a que me sujeito, consciente de mim. Forcei-me a adoptá-lo, quando tantas vezes me foi imposto e seria/será ainda, para que não me volte a escapar. Fatídico como um cancro que se conhece, não como um súbito acidente de viação. Igualmente insuportável, mas de mais fácil aceitação. Não existe assim o choque frontal com o espanto e o horror. Existe sim o desalento mórbido, a hora demorada e humedecida, a tortura ora lânguida ora desesperada, o dia que se repete sucessivamente na esperança vã do milagre.
Hoje amanheço na praia de um Outubro nosso, onde nos banhámos e amámos sem limites. O sol afinal já vem aí, mas não nasce para mim. Levanta-se enquanto eu me deito e absorvo as réstias indeléveis do teu cheiro na almofada e sonho ainda acordada com um “até já” que não acontece.


photo: 22 by disconnactuseractus

Não foste tu quem me trouxe aqui. Caminhei pelos meus próprios cascos, descalça e vulnerável, saltei aturdida do curro para uma arena sem saídas de emergência. Vi-me encurralada. Aproximei-me de ti como besta ingénua e curiosa que fareja. Reconheci-te e confiei-me. Um dia alimentaste-me os sonhos mais puros, as fantasias mais secretas. Coloquei-me por isso à tua mercê. Dei de mim tudo o que tinha e tudo o que a vida me emprestou. Não te temi após as primeiras investidas. Estranhei-te, como um filho espancado por um pai alcoolizado, que não percebe o que fez para o provocar. Não te temi quando me tingiste de vermelho. Encolhi-me e chorei, achando que a culpa era minha. Não te temi quando a incredulidade me tomou de assalto ao insistires nos golpes. Nem tentei escapar. Permaneci, hirta e quase firme. Depois a dor tornou-se acutilante. Revoltei-me contra ela. Sentidos entorpecidos, agredi-te com o ímpeto próprio do instinto natural de sobrevivência. Parti madeira e ferro, rasguei pano e pele, ensandecida. Debati-me como qualquer animal atingido mortalmente. Parti-te a ti. Mas nunca quebrei laços.

Agora desfaleço devagar. O meu couro não é tão resistente como o de outros membros da raça bovina, nem a minha subespécie é adaptada aos frenesins tauromáquicos. Tenho o mar a jorrar-me dos olhos e o sangue das artérias. Já nada no meu ser moribundo clama os arrufos da tua desumanidade. Já não há força no meu tumulto que me acoberte de ti. Deixa tombar as bandarilhas, arranca de mim as garrochas e degola-me. É o único acto de misericórdia que te resta. Ou quebra decisivamente e mistura o teu sangue com o meu, resgatando-me assim desta morte lenta.




19 agosto 2008

A cada segundo da minha existência




Querer falar-te em gestos, mais do que em palavras,

do arrufar infatigável da saudade no meu peito

em dias uns iguais aos outros, de monotonia imperturbável,

nos lugares a sós onde o teu toque ausente ocupa todos os meus sentidos.

Porque nestas horas em que não te falo, o meu pensamento voa até ti

como as ondas na constância nítida das marés,

e toda eu sou sal por dentro,

em amor e nostalgia.



photo: haleh bryan