23 junho 2007

verosimilhança

Mirei-o pela primeira vez por entre os gladíolos dos jardins de Tihomir, numa noite sem luar, de sussurros em eco e hálitos acres. O magnetismo do fogo circular nos olhos rasgados, os dedos encrespados de silêncio febril, os nervos que travavam a pulsação no pescoço, a pele que revestia músculos de aço tenso. Proveniências da herança do ódio que lhe foi legado pelo sangue cumano, pela sede de conquista e ânsia de poder. A sua respiração ofegante avançava pela atmosfera e acariciava os meus tímpanos oceânicos. Caminhava com o crepitar dos archotes que lhe recortavam a silhueta, apreensivo, adivinhando o obscuro presságio que mo entregava nú e inocente, à margem fragmentária da sua jovem existência. O horizonte alastrava à medida das suas passadas largas. O odor do sangue em lume deixava um rastro crepuscular embriagante, que me impeliu a segui-lo. O instinto de sobrevivência dos bárbaros é aguçado. Bem como a sua audição. Mesmo o de bárbaros imberbes sem pêlo na venta. Pressenti que tomara consciência da minha presença. Fracção de segundo de indecisão. No momento em que se voltou, atravessei-me à sua frente como ave assustada que procura abrigo. A única visão que teve da fatalidade que lhe estava reservada, foi a de uma coruja a piar no alto ramo de uma árvore diante de si.

A segunda e derradeira vez, foi no leito de uma cama de cordel, de lençóis encardidos e peles leitosas e macias. Foi a vez do prazer esfaimado da carne, do estremecimento indeclinável dos corpos, do furor irrecusável da terra nua, dos nomes impronunciáveis e longínquos, da dor que compromete definitivamente a vida. O meu signo deveria ser escorpião. Por mais que me fira, sigo sempre o destino que o âmago da minha natureza me impõe. O eterno retorno às origens, ao sal do sangue. Foi a noite de insónia ancestral, para mim e de sono fatal, para ele.

photo Phantom Of The Jungle by dizzz




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