20 junho 2007

grito mudo

Monstro! A força e intensidade das palavras. Pedras lacadas e pontiagudas que se atiram com pontaria. Sons estridentes e cortantes que rompem silêncios e ausências. Cruéis. Injustas. Um touro que ataca um cavalo ou um forcado, rodeado por uma multidão em histeria, não é um monstro. Fera ferida encurralada, com tecidos rasgados que provocam febres súbitas e enfraquecimento acrescido. Malditas bandarilhas! Abominável exaltação! Feridas abertas e incuráveis em constante mutilação.

Segundo reza a história, Hera, irmã e esposa de Zeus, ciumenta e possessiva, matou um dia todos os meus filhos. Amaldiçoada e sem pálpebras, passei a perseguir, matar e devorar os filhos dos outros. A dor faz-nos cometer actos atrozes. Causa hemorragias internas invisíveis que nos turvam a visão e nos enlouquecem. Nela, todos os seres são animais irracionais sob impulso. E há dores mais refinadas que vivem escondidas e nunca passam. Assomam à flor da pele, de repente, como uma alergia incontrolável. Todos os corticóides e antiestamínicos são ineficazes. Sofrem-se mutações terríveis, quando se intensificam. Tomam-se medidas desesperadas. Ácido efervescente e corrosivo derramado. Nada o detém. Hulk em destruição desenfreada. Máscara verde de raiva e horror. Olhos chispantes. É a dor que transborda e embebe. A vingança é mera anestesia. A fé é ilusão graciosa. Nem uma, nem outra, nos ensina a lidar com ela. Até que a morte nos separe. Tentei-a uma vez. Esqueci-me nesse dia, por momentos, que a morte não é para mim.


photo Fourteen by Redscrewdriver


1 comentário:

sm disse...

Que o grande voivoda Vlad Tepes te acompanhe nos teus dias de maldição.