Regresso a um dia de afagos, com os caracóis de um anjo entrelaçados nos dedos. Desfio-os no fuso das horas, para me cobrirem de seda. Anjo adormecido num tempo que não alcanço. Quisera eu beber-lhe dos olhos o sal cristalizado por uma ausência sem fim. Quisera eu agarra-lo na queda com a mesma força com que se ancorou ao meu ventre em chamas. Fiquei com o abismo dos sonhos inconcretizáveis sulcado no rosto. Ruga inexpressiva. Todas as minhas eternidades encolheram de repente, na lavagem dos sentidos, como tecidos sintéticos. Séculos merecidos, extintos em meia dúzia de meses.
Regresso ao dia de hoje. Á quimera pendular emperrada, na qual amá-lo me parece pouco e querê-lo, menos ainda. O invisível entranhado na pele, com impossibilidade de partida ou chegada, onde tudo é sempre pouco na falta de o abraçar. Meu anjo lindo!... Que não exista vento ou tempestade capaz de desfolhar as tuas asas agora ensanguentadas.
10 comentários:
também os meus olhos tombaram nas tuas linhas e reconheci-me nas tuas eternidades, ignobilmente extintas pela correnteza da vida. e hei-de passar mais vezes a ler-te.
Já estive para te comentar. Não o fiz. E sinceramente, o que te poderia dizer é muito pouco, nada que se possa comparar à profundidade das tuas palavras.
É brutalmente forte a intensidade que emana de cada sílaba.
Muito.
Parabéns pelo texto e pelo blog.
:)
Intenso, inebriante, que arrepia de tão pungente e simultaneamente encanta de tão doce... perfeito. Perfeito...
berta cem mil
As eternidades não se extinguem, misturam-se. Como uma história que se repete incansavelmente, na qual apenas as personagens mudam verdadeiramente de rosto.
francesca lambruscco
É uma honra para mim receber tal elogio de alguém que escreve maravilhosamente bem e nos transporta, com uma simplicidade incrivelmente bela, para mundos viciantes, de onde não se quer sair nunca.
fallen angel
Muito obrigada. Adorei a visita. Principalmente por ser tão inesperada. Espero que voltes muitas vezes.
Someday you'll rise again. :)
nossa...
isso tudo é o amor...e se o amor é maravilhoso, profundo e bom, esse poema também o é...
:)
Obrigada, Flávia, pela visita e pelo comentário. Há muitos sentimentos bonitos para além do amor, mas quase todos têm origem nele.
Falar de um pintor solar.
Repleto de imagens em des�gnio profundo.
N�o ser apenas um realejo de cores.
Atravessar a alma por dentro mesmo �s escuras.
Alguns seres habitam no nada, habitam em tudo.
Sem os p�s no ch�o gritam e inscrevem palavras na parte de fora
C� longe escutamos com o olhar.
Um homem que pinta e escreve n�o l� o que pensa- diz.
Veste-se de telas e folhas, amanhece os nossos ver�es
Sempre h� de acordar com a inf�ncia nas m�os
Habita na imobilidade sagrada dos que emocionam o ver
Decreta simples nulidades do tempo para existir no agora
Possivelmente o real gostaria de ser assim
�s vezes o �nico espa�o � o fragmento da fala
De palavras inscritas acontecem grafias perplexas
A respira�o do tempo n�o termina na tela, prolonga-a.
As imagens s�o de uma nocturna transpar�ncia que habitam a esperan�a
Tornar-se s�mbolo de si pr�prio, ou a palavra coer�ncia ser correcta
Cozinhar ambival�ncias para preservar o simples
A pureza das formas cont�m as imagens da vida
Passou um c�o amarelo com a mem�ria �s costas
Da Dona Aldeia ecoam vozes, cheiros e cores que a m�o agradece
O entendimento n�o � rei aqui, demitiu-se para poder.
Ontem chegou a emo�o ontem � muito longe significa o princ�pio
A met�fora � mensagem a mensagem � sil�ncio
A procura est� para l� da imagem do pensamento imediato.
Neguemos a consci�ncia do racional para interpretar
Os contr�rios povoam pinturas que dialogam em c�rculos.
O texto visual � repleto de c�digos verbais e tudo.
Equilibram-se imagens no espa�o de cima.
Para o pintor o mundo � admir�vel, nada mais.
Nunca ningu�m esteve aqui para sempre
As imagens habitam transpar�ncias que levariam ao in�cio.
Celebremos a l�cida vontade das infinitas possibilidades.
Ant�nio Xavier
Obrigada pela visita, prisu kim, e pela transcrição deste poema com palavras tão belas.
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