04 julho 2007

sem título

Regresso a um dia de afagos, com os caracóis de um anjo entrelaçados nos dedos. Desfio-os no fuso das horas, para me cobrirem de seda. Anjo adormecido num tempo que não alcanço. Quisera eu beber-lhe dos olhos o sal cristalizado por uma ausência sem fim. Quisera eu agarra-lo na queda com a mesma força com que se ancorou ao meu ventre em chamas. Fiquei com o abismo dos sonhos inconcretizáveis sulcado no rosto. Ruga inexpressiva. Todas as minhas eternidades encolheram de repente, na lavagem dos sentidos, como tecidos sintéticos. Séculos merecidos, extintos em meia dúzia de meses.

Regresso ao dia de hoje. Á quimera pendular emperrada, na qual amá-lo me parece pouco e querê-lo, menos ainda. O invisível entranhado na pele, com impossibilidade de partida ou chegada, onde tudo é sempre pouco na falta de o abraçar. Meu anjo lindo!... Que não exista vento ou tempestade capaz de desfolhar as tuas asas agora ensanguentadas.




10 comentários:

Berta Cem Mil disse...

também os meus olhos tombaram nas tuas linhas e reconheci-me nas tuas eternidades, ignobilmente extintas pela correnteza da vida. e hei-de passar mais vezes a ler-te.

Francesca Lambruscco disse...

Já estive para te comentar. Não o fiz. E sinceramente, o que te poderia dizer é muito pouco, nada que se possa comparar à profundidade das tuas palavras.

É brutalmente forte a intensidade que emana de cada sílaba.

Muito.

Parabéns pelo texto e pelo blog.

:)

Fallen Angel disse...

Intenso, inebriante, que arrepia de tão pungente e simultaneamente encanta de tão doce... perfeito. Perfeito...

lamia disse...

berta cem mil

As eternidades não se extinguem, misturam-se. Como uma história que se repete incansavelmente, na qual apenas as personagens mudam verdadeiramente de rosto.

lamia disse...

francesca lambruscco

É uma honra para mim receber tal elogio de alguém que escreve maravilhosamente bem e nos transporta, com uma simplicidade incrivelmente bela, para mundos viciantes, de onde não se quer sair nunca.

lamia disse...

fallen angel

Muito obrigada. Adorei a visita. Principalmente por ser tão inesperada. Espero que voltes muitas vezes.
Someday you'll rise again. :)

Flávia Vida disse...

nossa...
isso tudo é o amor...e se o amor é maravilhoso, profundo e bom, esse poema também o é...

:)

lamia disse...

Obrigada, Flávia, pela visita e pelo comentário. Há muitos sentimentos bonitos para além do amor, mas quase todos têm origem nele.

Impensamental disse...

Falar de um pintor solar.

Repleto de imagens em des�gnio profundo.

N�o ser apenas um realejo de cores.

Atravessar a alma por dentro mesmo �s escuras.

Alguns seres habitam no nada, habitam em tudo.

Sem os p�s no ch�o gritam e inscrevem palavras na parte de fora

C� longe escutamos com o olhar.

Um homem que pinta e escreve n�o l� o que pensa- diz.

Veste-se de telas e folhas, amanhece os nossos ver�es

Sempre h� de acordar com a inf�ncia nas m�os

Habita na imobilidade sagrada dos que emocionam o ver

Decreta simples nulidades do tempo para existir no agora

Possivelmente o real gostaria de ser assim

�s vezes o �nico espa�o � o fragmento da fala

De palavras inscritas acontecem grafias perplexas

A respira�o do tempo n�o termina na tela, prolonga-a.

As imagens s�o de uma nocturna transpar�ncia que habitam a esperan�a

Tornar-se s�mbolo de si pr�prio, ou a palavra coer�ncia ser correcta

Cozinhar ambival�ncias para preservar o simples

A pureza das formas cont�m as imagens da vida

Passou um c�o amarelo com a mem�ria �s costas

Da Dona Aldeia ecoam vozes, cheiros e cores que a m�o agradece

O entendimento n�o � rei aqui, demitiu-se para poder.

Ontem chegou a emo�o ontem � muito longe significa o princ�pio

A met�fora � mensagem a mensagem � sil�ncio

A procura est� para l� da imagem do pensamento imediato.

Neguemos a consci�ncia do racional para interpretar

Os contr�rios povoam pinturas que dialogam em c�rculos.

O texto visual � repleto de c�digos verbais e tudo.

Equilibram-se imagens no espa�o de cima.

Para o pintor o mundo � admir�vel, nada mais.

Nunca ningu�m esteve aqui para sempre

As imagens habitam transpar�ncias que levariam ao in�cio.

Celebremos a l�cida vontade das infinitas possibilidades.

Ant�nio Xavier

lamia disse...

Obrigada pela visita, prisu kim, e pela transcrição deste poema com palavras tão belas.