03 março 2008

cronónimo



O desfilar incerto de números

que se vão acotovelando numa calçada temporal,

sempre prontos a vestir memórias.

Números de semblante domingueiro,

aos quais deixei de conseguir dar suma importância,

pelo ócio e negligência que foram introduzindo

nos percursos debotados que tracei a dois.

Primeiro, atravessei-os

com aparente indiferença.

Depois, comecei a ignorá-los

sem nunca os conseguir esquecer.

Até perderem a capacidade de se evidenciar

no arrancar das folhas dos calendários que não uso.

De repente, surgiste tu, a dizeres-me de ti.

Espelho difuso da minha alma.

Reflexo de tudo o que pretendi esquecer de mim mesma.

Despiste-me a noite.

Vestiste-me o dia.

Preencheste os espaços que não identificava vazios.

O consentimento mudo e mútuo

de um amor por desabrochar, encoberto.

Dei-me, sem me aperceber,

novamente aos números.

Mais ainda a ti.

Guardei todos os pedacinhos datados

do que fomos espalhando pelo quotidiano.

Algarismos em sensações.

Sensações em haste e estirpe.

Raízes que rasgam a terra onde se fundaram,

palmilhando impetuosamente terrenos desconhecidos.

Paraíso em bruto,

foi o que descobri.

Contíguos os desejos,

as imagens de infinitas possibilidades.

Pensamentos em molde de alianças.

Sonhos de configurações juvenis.

Os nossos filhos.

A nossa casa.

A vida em sobressaltos de cores primaveris

e tempestades tropicais.

O espanto e a novidade de me saber tão longe tão cedo,

tão dentro e tão além, tão eu em nós,

com todas as expectativas que recusei

ao longo de uma eternidade à qual não pertencias

…ainda.





10 comentários:

O Profeta disse...

Tu és uma Avatara...não és deste mundo...

lamia disse...

Que exagero, querido profeta! :)

Não mereço tanta reverência.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Tens aqui um poema muito bonito.

Beij

lamia disse...

Obrigada, Piedade.

Acima do poema está a vida que abraço.

Gasolina disse...

Saber o que ainda não se conhece e reconhecê-lo tão mal se toca e sente.

aquilária disse...

dizes esse outro, como da tua própria respiração se tratasse.

e eu deixo-te um abraço

lamia disse...

gasolina, há sentires que nos são e nos vivem, mesmo se não lhes tocarmos.

lamia disse...

aquilária, porque o amor me corre nas veias, espesso, poderoso, veloz. é-me.

obrigada :)

Luís Filipe C.T.Coutinho disse...

Senti-me em casa...

beijos

lamia disse...

Luís, é bom sabê-lo, já que a tua escrita, para mim, é também uma excelente anfitriã. :)