22 agosto 2010

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Todos os dias para mim são agora este Número Mestre. Todas as noites são a ampliação do mesmo. Sou atingida pelas suas vibrações poderosas, que me roubam o sono ao invadirem-me o íntimo de sensações que me transcendem e enlouquecem. Segundo as interpretações celestiais, é a sequência mais elevada de todas: construtiva na iluminação, destrutiva na frustração. Nas paredes sarapintadas do quarto onde não pernoitas, o par esboça uma assombração iminente. Há quem chame insónia à ausência de ti, mas é esta intuição sem nome que me atormenta... e esta culpa metabólica de não conseguir indicar-te o caminho definitivo de volta para casa. Abasteço-me abundantemente de géneros que não consumo, de livros que não leio, de músicas que não ouço, para ocultar a miséria globalizada da minha vida. Flutuo entre muros e tectos, sem chão e sem abrigo, sem descanso, pelo claustro voluntário em que mergulhei, à espera da aurora que não chega. Agarro-me à dormência das extremidades latejantes do meu cérebro, à procura de um qualquer desmaio, mas não adianta. Não durmo. Estou aqui, na companhia de um maço que se acaba. Nada sei a não ser do que preciso neste vazio que engulo aos solavancos: a anestesia volátil do álcool que não ingiro, o relaxe inteligível da droga que não fumo, a letargia instantânea dos soporíferos que não tomo. Sento-me e debruço-me sobre as palavras salgadas que flúem em dilúvio. Não me lamento das contracções que me percorrem os músculos, nem dos soluços em que me engasgo. Não há queixume no isolamento do mundo a que me sujeito, consciente de mim. Forcei-me a adoptá-lo, quando tantas vezes me foi imposto e seria/será ainda, para que não me volte a escapar. Fatídico como um cancro que se conhece, não como um súbito acidente de viação. Igualmente insuportável, mas de mais fácil aceitação. Não existe assim o choque frontal com o espanto e o horror. Existe sim o desalento mórbido, a hora demorada e humedecida, a tortura ora lânguida ora desesperada, o dia que se repete sucessivamente na esperança vã do milagre.
Hoje amanheço na praia de um Outubro nosso, onde nos banhámos e amámos sem limites. O sol afinal já vem aí, mas não nasce para mim. Levanta-se enquanto eu me deito e absorvo as réstias indeléveis do teu cheiro na almofada e sonho ainda acordada com um “até já” que não acontece.


photo: 22 by disconnactuseractus

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