Há horas infinitas que me chovo dentro. Água densa e salgada. A tempestade veio do mar, invadiu os rios, rebentou diques e muralhas, inundou campos e cidades. Tsunami implacável e trágico.
Morro-me hoje de tudo o que sou. A noite percorreu murmúrios inaudíveis em tom de consolo. Mas eu estou inconsolável. Dos sonhos transbordaram faces sem nome, transfiguradas. A tua estava entre elas, suspensa no assombro do momento derradeiro da tua partida.
Depositaste-me nos braços o nosso filho, moribundo, já sem fome, na esperança de que o enterrasse longe da renúncia de que te alimentas. Não tenho coragem. Ainda ontem me agarrava a ele com todas as minhas forças, como se pudesse trazer-lhe um sopro de vida. Acreditei piamente, de cara lavada em lágrimas, que enquanto existissem gestos que naufragassem, existiria salvação.
Despojo-me agora do bem definitivo em que as coisas se eternizam. Abandono-me por não me caber.
Não há nada de luminoso no ferro dos grilhões que sacudo com violência, nas correntes que me estrangulam os sentidos. Grito até perder a voz. Ninguém ouve. Ninguém se importa. Só eu e tu, outrora, mirávamos o horizonte onde ergues o estandarte da tua vitória assassina. O verde e as flores secaram sob o sangue derramado à sombra do teu medo poente.
Distorci-me em plenitude. Porque aos teus olhos enlouqueci, enraivecida. Porque me crucificaste em espirais de lume. Porque expeles lava da boca e da ponta dos dedos. Porque, porque. E eu já não suporto o ácido sulfúrico que me espalhas sobre a pele como creme hidratante.
Das tuas palavras ficam-me restos de vozes e ruídos, em eco. E escuridão.
Vazo-me aqui, sem música, sem imagem, sem mim, sem nada.
28 comentários:
Aguardo o dia em que tanta sabedoria terá finalmente efeito na tua pessoa.
Aquele dia em que nao mais se apontará o dedo a ferida aberta do outro sem antes curar a nossa.
Aguardo paciente, como sempre fiz, na minha impaciencia, na minha ignorancia e na minha ansia de saber.
Aguardo sempre, com os olhos fixos, nao no horizonte mas, no que repousa a meus pés.
Aguardo ainda... e sempre... como sempre... que as nuvens escuras se afastem, nem que seja a sopro, para dar lugar ao belo e maravilhoso raio de luz que aquece a alma com a esperança.
E nunca abandono esta espera...
que verdade de dor....
partilho-a, se deixares, contigo.
comeremos azeitonas negras de tudo frente ao mar que nos embala a alma.
..
porque.
sm, quem espera sempre alcança... ou desepera, consoante o peso da bagagem que traz dentro.
nana, deixo, sim, mas sem azeitonas, pode ser? porque.
A coragem... Os nadas... Os ruídos... E o enlouquecer... Abandonam lentamente o entardecer quando o os assombros se tornam salvações.
Na escuridão fica a ideia que daí sempre surge o despertar.
--- Fantástico, gosto do invólucro mas principalmente... do conteúdo.
Lunna, depois da tempestade, vem sempre a bonança, é um facto. Mas por vezes teimamos em querer despertar em manhãs antigas.
--- Obrigada pela visita e pelo comentário. Espero que voltes.
É belo texto pela escrita em si mas triste ao mesmo tempo, as palavras que descreves angustiam cá dentro!
Obrigada pela visita, eu vou continuar a visitar e a deambular por aqui ;)
Gostei muito do teu blog =) interessante!
Girstie, é bom saber que o texto é transparente e que consegues partilhar o seu sentido, mesmo que não cause uma sensação agradável. Mas sabes... tudo tem o seu reverso, e a outra face é linda!
Deambula, sim. Deambula sempre. Pára só aos bocadinhos, para descansares um pouco. :)
Isis, obrigada pela visita e pelo comentário.
O teu mundo também me parece sê-lo. Aliás, há, para mim, no gótico, um estranho fascínio. E digo estranho, porque não consigo explicá-lo. Gostava de o fotografar.
çok güzel bir site.
Çok tesekkur ederim. :)
Por vezes temos surpresas neste "mundinho" da blogoesfera. Li este texto e tive que ler mais. Por aí abaixo. É claro que o texto está repassado de sofrimento. Amargo. Mas a qualidade da escrita é bem patente. Escrever é catarse, digo eu, por vezes.
Intrigaste-me.**
vida de vidro, apraz-me a tua visita e as tuas palavras. Escrever é como chorar. Alivia e purifica, sim, por vezes, como tão sabiamente referes. Esta, foi uma delas, de facto.
Espero que a curiosidade se reflicta em muitas visitas. :) **
a blogosfera está realmente cheia de surpresas e cada vez mais me convenço que somos um país de poetas, muitas vezes amargos, doridos. o fado transparece nos escritos de muitos de nós, coisa inerente à alma lusa.
mais uma vez, obrigada pela tua visita ao meu blogue. também gostei deste teu espaço onde lavas a alma e te tentas libertar do que te atormenta numa escrita delicada e recheada de poesia. continua!
tcl, é sempre revigorante receber elogios como o que me dás. Agradeço-te a visita e o incentivo. Pretendo continuar, sim, sempre que em mim não caiba tudo o que trago. Sê bem-vinda, sempre.
Estive a ler todos os postes.
Um escrita muito profunda, diria que um pouco sofrida, um pouco saudosista, mas, muito bem escrita, de quem tem mão e talento para escrever.
Os meus parabens!
Muito obrigada, Piedade. Mesmo. *
Sabe-me a mármore, escuro, frio, ao pó dos dias que restam.
Lâmpada mervelha, é um sabor incomparável e inesquecível, não é?
Imensamente agradecida pela tua visita e por todos os comentários que deixaste. Volta sempre.
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um vazio, tão cheio de sensibildade, com nobreza de quem sabe manusear as palavras, na arte da prosa poética
....................
Beijinho e noite serena
ap.... :) Mais que manusear, é exprimir. E por muito que se escreva, as palavras não chegam a traduzir metade do que se sente. Muito obrigada.
Afinal... afinal nao consegui sair sem ler tudo ;)
E a parabens pela tua escrita (parece-me mto real)
Beijo*
fui conduzido, por palavras tuas, até este território inquietante, intranquilo, sanguíneo, onde te expões, escondendo-te, no fio da lâmina... escreves muito bem, sabes? - sabes.
voltarei a estes domínios...
Venho agradecer a visita. E gostei do que aqui li neste vermelho cor de sangue.
Silêncio... sorrio-te.
Mário, não sei o que sei, realmente, mas há que dar asas (mesmo que depenadas) ao que nos vai dentro.
Obrigada pela visita e pelo comentário.
M., quem agradece sou eu. É vermelho sangue, é vermelho vida.
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